por Luis Fernando Veríssimo
João chegou em casa cansado e disse para a mulher, Maria, que queria tomar um
banho, jantar e ir direto para a cama. Maria lembrou a João que naquela noite
eles tinham ficado de jantar na casa de Pedro e Luísa. João deu um tapa na
testa, disse um palavrão e declarou que de maneira nenhuma, não iria jantar na
casa de ninguém. Maria disse que o jantar estava marcado há uma semana e seria
uma falta de consideração com Pedro e Luísa, que afinal eram seus amigos,
deixar de ir. João reafirmou que não ia. Encarregou Maria de telefonar para
Luísa e dar uma desculpa qualquer. Que marcassem o jantar para a noite
seguinte.
Maria telefonou para Luísa e disse que João chegara em casa muito abatido, até
com um pouco de febre, e que ela achava melhor não tirá-lo de casa naquela
noite. Luísa disse que era uma pena, que tinha preparado uma Blanquette de Veau
que era uma beleza, mas que tudo bem. Importante é a saúde e é bom não
facilitar. Marcaram o jantar para a noite seguinte, se João estivesse melhor.
João tomou banho, jantou e foi deitar. Maria ficou na sala vendo televisão. Ali
pelas nove bateram na porta. Do quarto, João, que ainda não dormira, deu um
gemido. Maria, que já estava de camisola, entrou no quarto para pegar seu
robe-de-chambre. João sugeriu que ela não abrisse a porta. Naquela hora só
podia ser um chato. Ele teria que sair da cama. Que deixasse bater. Maria
concordou. Não abriu a porta.
Meia hora depois, tocou o telefone, acordando João. Maria atendeu. Era Luísa
querendo saber o que tinha acontecido.
- Por quê ? - perguntou Maria.
- Nós estivemos aí há pouco, batemos, batemos e ninguém atendeu.
- Vocês estiveram aqui?
- Para saber como estava o João. O Pedro disse que andou sentindo a mesma coisa
há alguns dias e queria dar umas dicas. O que houve?
- Nem te conto - contou Maria, pensando rapidamente. - O João deu uma piorada.
Tentei chamar um médico e não consegui. Tivemos que ir a um hospital.
- O quê ? Então é grave.
- A febre aumentou. Ele começou a sentir dores no corpo.
- Apareceram pintas vermelhas no rosto - sugeriu João, que agora estava ao lado
do telefone, apreensivo.
- Estava com o rosto coberto de pintas vermelhas.
- Meu Deus! Ele já teve sarampo, catapora, essas coisas?
- Já. O médico deu uns remédios. Ele está na cama.
- Vamos já para aí.
- Espere!
Mas Luísa já tinha desligado. João e Maria se entreolharam. E agora? Não podiam
receber Pedro e Luísa. Como explicar a ausência das pintas vermelhas?
- Podemos dizer que o remédio que o médico deu foi milagroso. Que eu estou bom.
Que podemos até sair para jantar - disse João, já com remorso.
- Eles iam desconfiar. Acho que já estão desconfiados. É por isso que vem para
cá. A Luísa não acreditou em nenhuma palavra que eu disse.Decidiram apagar
todas as luzes do apartamento e botar um bilhete na porta. João ditou o bilhete
para Maria escrever.
- Bota aí: "João piorou subitamente. O médico achou melhor interná-lo.
Telefonaremos do hospital".
- Eles são capazes de ir ao hospital à nossa procura.
- Não vão saber que hospital é.
- Telefonarão para todos. Eu sei. A Luísa nunca nos perdoará a Blanquette de
Veau perdida.
- Então bota aí: "João piorou subitamente. Médico achou melhor interná-lo
na sua clínica particular. O telefone lá é 236 - 6688".
- Mas esse é o telefone do seu escritório...
- Exato. Iremos para lá e esperaremos o telefonema deles.
- Mas até que a gente chegue ao seu escritório...
- Vamos embora!
Deixaram o bilhete preso na porta. Apertaram o botão do elevador. O elevador já
estava subindo. Eram eles!
- Pela escada, depressa!
O carro de Pedro estava barrando a saída da garagem do edifício. Não podiam
usar o carro.
Demoraram para conseguir um táxi. Quando chegaram ao escritório
de João, que perdeu mais tempo explicando ao porteiro a sua presença ali no
meio da noite, o telefone já estava tocando. Maria apertou o nariz para
disfarçar a voz e atendeu:
- Clínica Rochedo."Rochedo?!" espantou-se João, que se atirara,
ofegante, numa poltrona.
- Um momentinho, por favor - disse Maria.
Tapou o fone e disse para João que era Luísa. Que mulherzinha! O que a gente
faz para preservar uma amizade. E não passar por mentiroso. Maria voltou ao
telefone.
- O Sr. João está no quarto 17, mas não pode receber visitas. Sua senhora? Um
momentinho por favor.
Maria tapou o fone outra vez.
- Ela que falar comigo.
Atendeu com a sua voz normal.
- Alô, Luísa? Pois é. Estamos aqui. Ninguém sabe o que é. Está com pintas
vermelhas por todo o corpo e as unhas estão ficando azuis. O quê? Não. Luísa,
vocês não precisam vir para cá.
- Diz que é contagioso - sussurrou João, que com a cabeça atirada para trás
preparava-se para retomar o sono na poltrona.
- É contagioso. Nem eu posso chegar perto dele. Aliás, eles vão evacuar toda a
clínica e colocar barreiras em todas as ruas aqui perto. Estão desconfiados que
é um vírus africano que...
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